"Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite,
uma noite de vento sul e chuva,
Quando vinha para casa de táxi,
encontrei um amigo e o trouxe até Copacabana;
e contei a ele que lá em cima,
além das nuvens,
estava um luar lindo, de Lua cheia;
e que as nuvens feias que cobriam a cidade eram,
vistas de cima,
enluaradas, colchões de sonho, alvas,
uma paisagem irreal.
Depois que o meu amigo desceu do carro,
o chofer aproveitou um sinal fechado para voltar-se para mim:
- O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa.
Mas, tem mesmo luar lá em cima?
Confirmei:
sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma outra,
pura, perfeita e linda.
- Mas, que coisa...
Ele chegou a por a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de chuva.
Depois continuou guiando mais lentamente.
Não sei se sonhava em ser aviador ou pensava em outra coisa.
- Ora, sim senhor...
E, quando saltei e paguei a corrida,
ele me disse um "boa noite" e um "muito obrigada ao senhor" tão sinceros,
tão veementes,
como se eu lhe tivesse feito um presente de rei." *
Rubem Braga
(1913-1990)
escritor e jornalista brasileiro
*do livro: Para gostar de ler.
Volume 2 - Crônicas, São Paulo: Ática, 1994, p.75.
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